By Chidera Ihejirika
O que poderia estar errado em fazer uma viagem de duas semanas ao Quênia para ajudar a construir uma escola para crianças africanas de baixa renda e postar no Instagram sobre como o sofrimento que você testemunhou transformou toda a sua vida após o retorno a sua casa de classe média em São Paulo?
Imediatamente, depois de ler essa pergunta com pouco ou nenhum pensamento crítico, você pode dizer: “bem, não há absolutamente nada de errado nisso”. Por que haveria algo errado em ir a uma região com necessidades para ajudar a atender a essa necessidade? Mas não é tão simples assim. Deixe-me explica o motivo.
Eu não estou aqui para fazer você se sentir mal sobre sua viagem de trabalho voluntário em 2011 ao Quênia. Afinal, você não pode voltar no tempo e decidir não construir aquela escola. Mas o que você pode fazer é decidir se vai ou não fazer essa viagem novamente. Antes de tomar essa decisão, sinto que há várias coisas que você deve considerar, que podem ou não alterar sua decisão.
Em primeiro lugar, quais são as suas motivações por trás da viagem de trabalho voluntário? Agora, eu gostaria de acreditar que a maioria das pessoas viaja para esses países africanos porque eles veem a pobreza e querem ajudar. A realidade é que há pobreza em todo lugar. Se você está em seu próprio quintal, estou quase certo de que você não terá que viajar muito longe para encontrar uma comunidade que precise de ajuda, seja ela emocional ou financeira.
Então, peço-lhe isto, respeitosamente, claro, por que você sente a necessidade de atravessar o oceano para ajudar essa comunidade específica neste país específico entre todos os países no segundo maior continente da Terra? Talvez você tenha uma paixão profundamente enraizada para ajudar essa comunidade africana pobre e específica. Mas por que? Você tem alguma conexão com essa comunidade?
Se você está lutando para responder a essas perguntas, então talvez seu desejo de viajar ao Quênia para ajudar essas pobres crianças africanas não seja tão inocente quanto você pensa que é.
No mundo em que vivemos, ir a uma pequena comunidade no Quênia para construir escolas é considerado muito mais excitante e digno de mídia do que ajudar em sua cozinha local em São Paulo. Mas é incrivelmente egoísta ir construir uma escola em uma comunidade sobre a qual você sabe muito pouco, porque você está procurando por uma experiência de humildade. Há muitas maneiras de experimentar a humildade mas algumas delas seriam menos atraentes nas redes sociais. No final do dia, se a sua paixão em ajudar as pessoas ainda queimar dentro de você, nada disso deve importar.
Desde a era colonial, a África tem sido vista como esse espaço em branco no qual os egos brancos podem ser convenientemente projetados. Como o autor premiado Teju Cole brilhantemente declara em seu artigo no The Atlantic, a África é vista como este espaço liberado no qual as regras usuais não se aplicam: um “zé ninguém” da América ou da Europa pode ir para a África e se tornar um “salvador divino” ou, no mínimo, ter suas necessidades emocionais satisfeitas. Se você perceber que suas postagens nas redes sociais falam mais sobre você e como essa experiência moldou você, mudou você e fez de você uma pessoa melhor, eu recomendaria seriamente que você fizesse alguma reavaliação.
Não estou dizendo que seu crescimento pessoal e jornada emocional não são importantes, mas essas viagens envolvem a vida das pessoas e as casas das pessoas. No final do dia, há muitas outras maneiras pelas quais você pode satisfazer suas necessidades emocionais, mas existem poucas rotas (conhecidas) para o crescimento sustentável de longo prazo para as pessoas nessas comunidades. E neste caso, o crescimento sustentável de longo prazo não supera seu crescimento pessoal?
Talvez você tenha conseguido estabelecer que suas motivações são altruístas, que você tem essa conexão especial com essa comunidade e sente essa paixão ardente de ajudar. Agora pergunte a si mesmo se você está bem equipado para ajudar esta comunidade? Sua presença fará mais mal do que bem? Você fez sua devida análise e pesquisou extensivamente o ambiente atual e histórico da comunidade? Você possui as ferramentas para desenvolver a África? Alimentar vilarejos e construir escolas não aliviará a pobreza. Você precisa de professores, de um governo representativo forte, de uma economia equitativa rigorosa e muito mais. Por exemplo, você tem como objetivo capacitar mulheres que poderão contribuir para a economia depois que você sair? Você tem planos para educar mulheres jovens? Você está interessado em descobrir por que as mulheres jovens não estão sendo educadas?
As consequências do colonialismo e da escravidão são tão traumáticas e complexas que não podem ser resolvidas por uma escola bem construída ou com uma conversa otimista por melhor que essas coisas possam ser. Você pode amar a África, mas você não é um especialista em questões africanas. Há estudiosos que estudaram Uganda (um país entre 54 países africanos) por décadas e eles ainda não têm as soluções para os problemas e a pobreza que você vê. ESTAS QUESTÕES SÃO TÃO COMPLEXAS. Se um estudioso africano bem-educado que estuda um país há décadas não tem as soluções, como pode um grupo internacional bem-intencionados de São Paulo ter?
Então, talvez você tenha chegado até aqui e tenha respostas completas para todas essas perguntas ou ainda seja extremamente apaixonado por fazer esta viagem ao Quênia. Agora, tudo o que peço a você é ser o mais sensível e abrangente possível ao postar nas redes sociais. Abrangente porque sim, a África tem pobreza, mas a África é muito mais que a pobreza. Você pode ou não saber sobre a única história/mentalidade simplista em relação à África. Deixe-me lembrá-lo. Esta narrativa é porque algumas pessoas pensam genuinamente que a África é um país. É por isso que algumas pessoas realmente acreditam que os africanos são pobres e vivem em cabanas. Na minha opinião, toda essa história de que a África é pobre e antiquada precisa morrer porque está longe de ser correta. Nós somos o epítome da resiliência. Somos gênios tecnológicos. Somos artistas, somos ativistas, somos eruditos e prosperamos apesar da escravidão, colonização e exploração continuada pelos países ocidentais nos dias de hoje. Se você estiver visitando uma pequena comunidade no Congo para fornecer água potável e construir escolas, DIGA isso. Se você ficar em uma boa pousada no seu caminho para essa comunidade, não hesite em mostrar isso. Talvez, eventualmente, os filhos de meus filhos não precisem explicar que nunca moraram em uma cabana quando dizem que são nigerianos. É um pequeno passo no caminho para reconhecer as muitas facetas e experiências presentes na África.
Agora, mencionei sensível porque nesta viagem de trabalho voluntário você provavelmente verá condições que não está acostumado a ver. Algumas dessas condições vão partir seu coração, mas lembre-se de que isso não é sobre você e, não importa o estado, essa ainda é a casa de alguém. Eu tenho visto pessoas se referirem a comunidades com incríveis africanos realizando incríveis trabalhos comunitários locais como “um dos lugares mais quebrados do planeta”. Dizer algo dessa magnitude é extremamente insensível para aqueles que chamam esse lugar de lar. É também degradante para os membros da comunidade que estão e têm trabalhado ativamente para melhorar as coisas. Fale sobre essa comunidade como se fosse sua. Como você se sentiria se alguém se referisse a sua casa como quebrado, sujo e/ou repugnante? Lembre-se sempre de sua posição como alguém que não compartilha a experiência vivida dessa comunidade.
Espero ter ajudado você a tomar uma decisão certa sobre se deve ou não fazer essa viagem ao Quênia. Se não, espero ter mudado a maneira como você planejou compartilhar sua viagem com o mundo (seu Instagram, etc.) durante e após o seu retorno desta viagem.
O fato é que no final do dia, a escola construída por aqueles garotos brancos de São Paulo sem professores para ensinar e nenhum sistema de monitoramento para garantir que essas crianças frequentem esta escola não afeta as crianças brancas. Após a viagem, eles voltarão para casa em suas residências de classe média em São Paulo, com histórias de como suas vidas foram transformadas pelas coisas que eles viram e os egos impulsionados com sucesso. Mas o que realmente mudou para as crianças que você deixou para trás, aquelas que você tanto queria ajudar? Se alguma coisa, eu espero que isso tenha ajudado você a perceber que a última coisa que a “África” precisa é de mais 20 salvadores brancos.
*Texto traduzido e adaptado de Afropunk*
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