David Enders havia trabalhado quase uma década como correspondente no Iraque, Oriente Médio, quando uma reunião marcada com um líder da Al Qaeda do outro lado da fronteira síria acabou mal. O comandante não estava lá.

Arquivo pessoal
Enders, acompanhado de três escoltas armadas sírias, conversou com o irmão do comandante e deixou alguns combatentes nervosos. Ele falava Inglês e levantou suspeitas, pois poderia ser um espião americano preparado para chamar um ataque aéreo.
O jornalista deixou a reunião em fevereiro de 2013 na província de Idlib, noroeste da Síria, Oriente Médio, e após uma curta distância foi parado por aqueles que tinha acabado de conhecer. Seus acompanhantes foram rapidamente desarmados. Ele e seu motorista foram algemados, vendados e colocados no porta-malas de um carro em meio a tiros e gritos. O motorista cantava uma canção que muçulmanos cantam quando se preparam para morrer.
O sequestro de Enders terminou seis ou sete horas mais tarde em um celeiro abandonado. Hoje ele trabalha na Al Jazeera America, com base em Washington DC.
Muito dos jornalistas presentes na Síria, no Iraque ou em qualquer outra região de guerra, não estão ali para realizar um sonho, mas se arriscam e sofrem pelo dever de mostrar ao público as tragédias e a importância delas, e dar voz as pessoas que sofrem.
A rotina de um correspondente de guerra não é simples pois grande parte dos jornalistas trabalham como freelancer para diversos veículos. “Temos que lidar com muita coisa, ás vezes desejo que o dia tivesse 36 horas ao invés de 24 pois passo muito tempo produzindo reportagens e escrevendo”, conta Mohammed A. Salih, correspondente no Iraque para IPS, Al Jazeeram Washington Post, BBC, entre outros.
Mohammed começou a relação com as guerras quase ao mesmo tempo que começou a carreira jornalística, em 2005. O jornalista cobriu a guerra curda e quase toda a época de invasão dos Estados Unidos no Iraque. “Uma das piores partes desse trabalho é que não tenho tempo livre e me sinto muito culpado de não poder passar muito tempo com a minha mulher”, afirma.
O medo de viver no Oriente Médio
Outra questão difícil é trabalhar em um lugar tão perigoso como alguns lugares do Oriente Médio e conviver diariamente com a morte de perto, vendo ela em todos os cantos. Segundo Rozh Ahmad, jornalista freelancer e cinegrafista atuando no Iraque, o medo é encarado de formas diferentes por cada profissional. “Alguns apreciam mais ainda a vida em outros países depois que passam uma temporada no Oriente Médio, alguns se acham aventureiros, outros acham que o trabalho é descolado, mas existem aqueles que veem como um dever e uma oportunidade de tentar fazer do mundo um lugar melhor”, conta Rozh.
Nesse ano, James Foley e Steven Sotloff, dois jornalistas estrangeiros apareceram em vídeo sendo decapitados por membros do Estado Islâmico (EI), grupo de militantes extremistas que ocuparam regiões do Iraque e da Síria. “O que mudou desde que os vídeos foram publicados é que agora está confirmado e claro que se você é um jornalista estrangeiro é melhor ter muito cuidado no Oriente Médio”, afirma. Os riscos agora são maiores do que nunca pois sequestro, morte e decapitação significam ganhos políticos e financeiros para esse grupo político-religioso. “É muito preocupante porque jornalistas se tornaram alvos.”
Para estar perto dos fatos, entenderem o que está acontecendo e serem fiéis ao público, os profissionais enfrentam não só o medo de serem identificados por integrantes do EI como diversas situações de conflito direto. “Eu nunca soube como eu podia correr rápido até o dia que me peguei em meio a tiros na Síria”, lembra Rohz. “Também é assustador quando viajo na caçamba de uma caminhonete com um monte de caras que poderiam ser alvos e serem mortos bem ali por seus inimigos.”
O que mantém esses homens e mulheres convivendo com perigos no dia a dia é a sensação de contribuir com a sociedade, ajudando a trocar informações e ideias baseadas em valores éticos e interesses globais. “A ironia aqui é que o jornalismo trabalha com e para a realidade, mas na verdade é a utopia que o mantém vivo”, afirma Rohz.
Além das informações e ideias, correspondentes de guerra colecionam histórias, algumas delas aterrorizantes. Como viajar e relatar à paisana em territórios ao norte da Síria em 2012 e atravessar a fronteira entre Iraque e Síria à noite, fugindo em fogo cruzado e testemunhando aldeias destruídas, fatos vividos por Rohz Ahmad.
“Também foi muito perigoso em março de 2014, quando fui para a aldeia sunita de Msheirfeh, ao norte da Síria, para escrever sobre refinarias de petróleo caseiras e lá eu descobri que nenhuma força armada controlava a aldeia porque o local dividia a linha de frente entre combatentes curdos e grupos jihadistas”, conta.
Estando tão perto dos acontecimentos é fácil desejar que as situações se resolvam, mas muitas vezes as expectativas não são as melhores. “Eu desejo reconciliações e convivência pacífica entre os povos na Síria, Oriente Médio e em todo o mundo, mas infelizmente eu sinto que nós ainda vamos testemunhar crimes mais atrozes contra a humanidade nos próximos meses. Espero que eu esteja errado.”
Para o correspondente Mohammed Salih, o importante é que existam pessoas dispostas a ajudar como puderem e jornalistas que se arrisquem para poder escrever e contar os fatos as outras nações.
Mas acredite ou não, o difícil para muitos deles é a hora ir embora. “Você se sente um inútil quando retorna para casa na Europa e percebe que ninguém se importa com as coisas que você testemunhou, todos estão muito preocupados fazendo compras e satisfazendo egos”, desabafa Rohz.
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